A epidemia de Aids no RS - Manifesto do Fórum Ong aids RS

15/08/2013 15:46

A epidemia de Aids no Rio Grande do Sul

 

O Fórum ONG Aids RS é uma articulação estadual de luta pelo combate e prevenção a aids que congrega 47 ONG, Redes e Movimentos e tem como missão articular políticas de prevenção e assistência às pessoas que vivem com HIV/aids e suas coinfecções, bem como colaborar no fortalecimento político das instituições que atuam no âmbito da aids no Rio Grande do Sul, incluindo o acesso aos direitos humanos e à justiça social.

Em Assembleia Ordinária, realizada no dia 02 de agosto do corrente ano, este coletivo decidiu por trazer a público considerações quanto as últimas manifestações da gestão pública federal de saúde no que tange a epidemia de aids no Rio Grande do Sul.

No dia 19 de julho de 2013, em reunião da Comissão de Articulação dos Movimentos Sociais  (CAMS), do Departamento de DST/Aids e Hepatites Virais (DDAHV) do Ministério da Saúde, o Diretor do Departamento, Dr. Fábio Mesquita, anunciou as novas estratégias de enfrentamento da aids no Brasil e, também, que no Rio Grande do Sul a epidemia de aids é diferenciada em relação aos demais estados brasileiros.

Segundo Mesquita, dados confiáveis indicam uma epidemia na ordem de 2% da população vivendo com HIV/aids no Estado, quatro vezes mais que a média nacional, atualmente em 0,5%. Disse, ainda, que esses dados indicam, segundo o padrão de avaliação da Organização Mundial da Saúde (OMS), uma epidemia generalizada, diferentemente do Brasil, onde a baixa incidência na população em geral indica uma epidemia concentrada em populações específicas, com maior vulnerabilidade e com histórico de exclusão social, vitimas de discriminação e preconceito.

Desta forma, o Diretor do DDAHV informou que será estabelecida uma ação emergencial para o RS, com medidas de combate a aids que visem a redução desses números de forma rápida e eficaz. Para tanto será formado um grupo de trabalho para comandar estas ações, integrado por profissionais com expertise no assunto.

Diversas ações foram elencadas pelo Dr. Fábio Mesquita, que deverão ser implantadas no Brasil como um todo e de forma especial e urgente no RS, das quais destacam-se:

- Ampliação da testagem para HIV com teste rápido, feito em Organizações da Sociedade Civil (OSC), ampliando acesso das populações com maior vulnerabilidade, inclusive com disponibilidade de venda de testes em farmácias privadas;

- Ampliação do acesso de tratamento antirretroviral (ARV) para todas as pessoas com resultado positivo para o HIV, independente de outros exames de monitoramento e avaliação como CD4 e Carga Viral;

- Introdução de novas estratégias de prevenção como profilaxia pós–exposição (PEP) e profilaxia pré-exposição (PrEP);

- Deslocamento das ações de assistência da rede especializada para a rede de Atenção Básica.

 

Pelo exposto, o Fórum ONG Aids RS vem manifestar-se em relação a esta ação emergencial, apresentando as seguintes considerações:

Entendemos que a aids é uma epidemia com determinantes e condicionantes sociais de enorme relevância e, assim, um enfrentamento apenas biomédico, focado na doença, não reduzirá os números apresentados. Para entender a aids no Rio Grande do Sul é necessário uma análise mais acurada da epidemia, suas causas e seu desenvolvimento.

Da mesma forma, o fato de termos uma epidemia generalizada no Estado não exclui, de forma alguma, a concentração em populações específicas, como a de pessoas em situação de rua, homens que fazem sexo com homens (HSH), travestis, transexuais, usuários de drogas e prostitutas, entre outras.

As ações difusas de saúde pública não devem sobrepor as ações direcionadas a essas populações. O preconceito e a discriminação que envolvem as populações mais afetas pelo HIV/aids em função do histórico de exclusão social não pode impedir o Estado de dirigir politicas públicas que enfrentem essas vulnerabilidades e garantam acesso a todas as formas de prevenção e assistência.

A resposta Brasileira à epidemia de aids foi exemplo no mundo, a partir de meados da década de 1990, pela ação conjunta entre o Governo, Academia e Sociedade Civil, executada nos três níveis de gestão. Essa parceria foi desenvolvida ao longo dos anos onde a Sociedade Civil era respeitada em suas posições, proposições e ações junto às populações mais vulneráveis ao HIV, trabalhando no respeito aos direitos humanos e aos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS), defendendo a Universalidade do atendimento, a Integralidade e a Descentralização das ações, a Igualdade e Equidade no acesso e a Participação da Comunidade com Controle Social das ações públicas.

É exatamente essa resposta que o governo brasileiro desconsidera quando não acolhe o diálogo com as OSC e não tem em sua agenda prioritária a sustentabilidade dessa resposta conjunta e articulada. Ao longo dos últimos cinco anos as OSC/aids do RS vem denunciando nos espaços de diálogo entre ONG/OG sua preocupação com o descaso crescente dos governos com a epidemia de aids, com o aumento da incidência de aids no RS - e principalmente em Porto Alegre -, com as altas taxas de mortalidade por aids e de coinfecção aids/tb, o sucateamento dos Serviços de Atendimento Especializado (SAE), dos Centros de Testagem e Aconselhamento (CTA) e as dificuldades para monitoramento clínico da doença.

O descaso com os recursos públicos acumulados nas contas dos municípios e estado, totalizam cerca de R$ 25 milhões, destinados a ações de prevenção e assistência e para financiamento das ações em parceria com as ONG/aids.

As Organizações da Sociedade Civil no RS estão sem recursos financeiros para desenvolverem suas ações. Apesar de toda a divulgação junto à imprensa no final do ano passado, os projetos selecionados em concorrência pública estadual em agosto de 2012 ainda não foram assinados e as Organizações continuam sem atuar de forma sustentável e sistemática.

Em nenhum momento União, Estado e Munícipios ouviram as denúncias e demandas da sociedade civil, e tão pouco a sociedade como um todo, que acreditou na falácia governamental de uma epidemia de aids controlada no Brasil e de que esta é uma doença crônica como qualquer outra.

Outra proposta do DDAHV é que as ONG complementem os CTA e façam os exames nas suas organizações, com a justificativa de que as elas acessam mais e melhor as populações específicas.

As ONG são espaços de acolhimento da população, defendem e orientam seus usuários na busca de seu direito à saúde pública, fomentam o exercício da cidadania e não visam a substituição do Estado em suas funções. Além disto, as ONG não têm como garantir o acesso ao serviço público de saúde e estabelecer o vínculo usuário/serviço após o resultado um resultado positivo para o HIV. Este papel não nos cabe e continuaremos a exigir do Estado que cumpra com seu dever constitucional de garantir o acesso à saúde de seus cidadãos.

Da mesma forma, entendemos que o redirecionamento da assistência especializada  aos serviços de Atenção Básica não visa garantir melhor acesso ou qualidade de assistência ao usuário, e sim a economia financeira. O sucateamento dos SAE é uma realidade no estado e nos municípios. A inexistência de profissionais qualificados ou em número insuficiente para atendimento da demanda apenas amplia a dificuldade. O deslocamento desse usuário para outro serviço vai dificultar ainda mais o atendimento de suas necessidades.

Somos defensores de uma política de Atenção Básica de qualidade, resolutiva, com acesso, cobertura e efetividade nas referências para serviços especializados. Esta não é a realidade vivenciada no RS. No Estado, a cobertura da Atenção Básica não chega a 40% da população e a referência para serviços especializados é crítica, apontando mais uma falha da gestão.

As pessoas que vivem com aids necessitam de serviços integrais de saúde e de acesso a especialistas com qualificação para o tratamento dos efeitos adversos da medicação, das coinfecções e comorbidades, entre outras questões. A adesão ao tratamento ARV é fundamental para que a pessoa com aids tenha uma resposta efetiva no combate ao vírus e garanta a qualidade de vida. A não existência de programas de adesão ao tratamento, aliados à falta de serviço de acompanhamento qualificado do usuário pode gerar uma grande taxa de abandono ao tratamento e o risco de desenvolvimento de um vírus resistente.

Outra questão importante e que preocupa sobremaneira a sociedade civil é a possibilidade de flexibilização dos direitos humanos e dos princípios do SUS no enfrentamento da aids. O respeito à diversidade e à especificidade, com a execução de políticas afirmativas voltadas para as populações mais atingidas estão sendo negligenciados e esquecidos pelos governos. Os princípios do SUS não estão sendo levados em conta, desrespeitando o direito do cidadão no acesso à saúde pública.

A política de aids brasileira sempre se pautou pela busca incessante destes princípios, tendo sido alvo de criticas no início e de aplausos quando de fato mostraram resultados. O Brasil, que exportou um bem sucedido modelo de controle, embasado no tripé prevenção – assistência e prevenção – direitos humanos,  propõe agora copiar modelos de combate à epidemia de aids de países sem nenhum histórico de defesa dos direitos humanos, como Rússia, Vietnã, Camboja, Indonésia.

Talvez os integrantes das ONG e as Pessoas que Vivem com aids no RS sejam as mais interessadas na informação de que a epidemia de aids no estado esteja em níveis comparados aos piores do mundo como da África subsaariana, não por comprovar nossas denúncias, mas para que o Estado assuma ações públicas de saúde que de fato evitem novas infecções e outras mortes prematuras.

De fato, alguma ação deve ser feita para reverter a tendência de ampliação da epidemia de aids no Estado. É necessário sim que uma ação conjunta tripartite – União, Estado e Municípios – seja acordada e executada, respeitando os pactos federativos. Mas esta ação só terá efetividade se ampliada em sua análise e ações focando nos aspectos sociais da aids, no imaginário da sociedade, enfrentado os preconceitos, discriminações e estigmas que sempre acompanharam a aids e as populações mais afetadas pela doença. Assim, é fundamental a articulação Governo/Sociedade Civil, em parceria e com respeito, na perspectiva de complementação das ações necessárias e não na substituição e desresponsabilização do Estado sobre as ações públicas de saúde.

Exigimos dos gestores federal, estadual e municipais o compromisso e o efetivo empenho na luta contra a aids.

Exigimos maior agilidade no acesso às consultas e a exames laboratoriais em quantidade suficientes para atender a demanda; formação de estoques reguladores de todos os insumos para que não faltem ou sejam fracionados, medicamentos para combater doenças oportunistas; cumprimento de contratos pactuados para a aquisição desses insumos, assim como a publicização dos contratos para aquisição dos insumos citados, assinados ou rejeitados; queremos campanhas de prevenção e ações dirigidas à população, hoje insuficientes.

Exigimos o reconhecimento e a garantia de condições para exercer o nosso trabalho, como Organizações da Sociedade Civil de Luta Contra a Aids, com objetivo de politizar e promover a discussão e a defesa dos direitos humanos e cidadania, em compartilhar experiências com outros e de fortalecer o controle social e, por fim, EXIGIMOS respeito e dignidade às pessoas vivendo com HIV/aids.

Exigimos que o direito constitucional expresso na CF/1988 seja cumprido pelo Estado Brasileiro: “Saúde é um direitos de todos e dever do Estado”!

O respeito aos direitos humanos e aos princípios do SUS são inegociáveis.

 

Porto Alegre, 15 de agosto de 2013.

Fórum de ONG/AIDS do Rio Grande do Sul